Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

31 de dezembro de 2012

Cosmopolitismo, doença infantil do provincianismo

(Texto que coloquei no blog de João Gonçalves, Portugal dos Pequeninos, comentando uma triste nota do autor)

Meu caro João Gonçalves,
Essa famosíssima palavra cosmopolita, muito utilizada, claro, em meios (e por) desejosos de se afirmar "acima das pátrias" e dos povos, têm sido imagem de marca de muita tragédia. Lembro as grandes invasões imperiais, de Gengis Khan a Krushev, passando por Napoleão, as grandes arrogâncias convencidas que mais mundo é o “nosso”, onde entre “muitas” línguas impomos a nossa e o nosso modo e, evidentemente, os nossos interesses.
Massamá deve ser hoje um dos centros mais cosmopolitas em Portugal. Muitas nacionalidades (ucranianos, moldavos, brasileiros, cabo-verdianos, angolanos, portugueses, etc.), muitas línguas, muitas cozinhas e suas adaptações, e além disso ed acima disso uma ideia acima das pátrias (contra até), de todas, desde aquela de origem que lhe não deu garantia de sustento e por isso se lhe evadiram, até à actual que não lhe dá futuro. Isto quer dizer que Massamá é habitada por “cidadãos do mundo”, que estão com certeza despreocupados, tal como o Jorge Gonçalves, pela ideia de região e de pátria, com a diferença que a sua apatridia está mais ligada ao matar a fome do que a do Jorge, que deriva da superação ideal desse “pecado original “ que é o de ter nascido nalgum lado e lhe permanecer apegado.
O meu caro João Gonçalves confronta de uma forma deliberada - porque o vejo homem sabedor (logo, imputável) - cosmopolitismo com regionalismo e, mesmo (adivinha-se) nacionalismo. Mais, incompatibiliza-os.
Sendo do norte e do Porto, com dezenas de anos de vivência forânea, não necessito muito de procurar o que quer que esse “cosmopolitismo” signifique. Quem negoceia em vinho, carne, têxteis, castanha, desde o século XI com a Europa do norte, e tem conterrâneos em toda a parte do mundo, demonstra pela sua vida essa capacidade de se adaptar aos outros e de os atrair até a viver na sua terra (os britânicos, p.e.).
Estou farto de encontrar gente que viaja a cada momento, que viveu dezenas de anos nas grandes metrópoles do mundo, que renega ou olvida as suas origens e que é incapaz do menor raciocínio universalista ou humanista (veja em Portugal os quase inexistentes frutos para o quotidiano dos portugueses, das constantes e repetidas viagens que a nossa classe média empreendeu nos últimos 30 anos).
Conversa de cosmopolitismo é, quase sempre, complexo de autoafirmação no mundo. O cosmopolita não necessita tanto de se declarar, vive-o, e vive-o mesmo que raramente ou nunca tenha saído do seu local de nascimento, pela hospitalidade, pela abertura à ideia diferente, pela capacidade de ver e de respeitar o que está para aquém e além do monte, do rio ou da praia que tem por horizonte.
E, infelizmente para si, meu caro João Gonçalves, e ainda bem para mim e para muitos milhões de seres humanos, cada um de nós tem uma região e uma pátria, e é precisamente por eu ter uma região e uma pátria (e uma língua), e saber o que isso significa, que eu poderei ser um cosmopolita, isto é, um nortenho português, cidadão do mundo.
Com um abraço muito tripeiro e universal do seu
Joaquim Pinto da Silva

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