Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

1 de outubro de 2008

Viagens na Minha Infância – lembranças romanescas

(Apresentação do livro, Viagens na Minha Infância – lembranças romanescas, de Joaquim Tenreira Martins, e do projecto Côa-Águeda, em Vale de Espinho, Sabugal, a 14 de Agosto de 2008)

Senhor Vereador da Câmara do Sabugal, Eng° Robalo, Senhor Presidente da Junta de Freguesia de Vale de Espinho e Senhor Presidente da Junta de Freguesia de Fóios,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

A boa educação e a verdade mandam que se agradeça a quem se deve.

No que a este livro respeita:
Ao apoio à presente edição da Junta de Vale de Espinho, disponível através do seu Presidente, Carlos Clemente;
Ao Paulo Rocha, que desenhou este livro... uma bela peça;
Ao Baltasar, ilustre tipógrafo tripeiro, a quem nos une décadas de trabalhos em comum e uma sólida amizade;

No que trata da recém-nascida Côa-Águeda (de que falaremos no fim):
À Junta de Fóios, na pessoa do seu Presidente, José Manuel Campos, que aderiu de imediato ideia;
Aos membros primeiros desta aventura que promete: Amélia Rei, Maria Leal da Costa, Maria Natália Madalena Pires, Celso Ramos, Joaquim Tenreira Martins, José Manuel Campos e José Manuel Coelho , Tomás Acosta Piriz e ao Progresso da Foz;
À Maria Leal da Costa e ao Paulo Rocha criadores do bonito logótipo do Côa-Águeda

Nunca um livro me deu tanta canseira como este do nosso Joaquim Tenreira Martins.
Ele foi encontros, reuniões, telefonemas e sms’s, correspondência electrónica e selada, mas é claro que se tudo foi texto, também tudo foi pretexto. Isto é, nada se passou sem ser bem regado com Douro’s, Dão’s e Alentejos, pelos restautantes portugueses de Bruxelas de sabor português, O Elvas, o Paulino, o Café Portugal, o Caramulo, etc.
E mais ainda, foi o grande pretexto para vir de Bruxelas, há uns meses atrás, para visitar a Quelhe da Barreira e confirmar que existe e o seu fascínio.

Dali, dessa Quelhe misteriosa e iniciática, parti para conhecer Vale de Espinho e o que me faltava do mundo e do meu tempo. A sede instantaneamente morta ali mesmo na Fontainha (oh que água!) e um ânimo de gigante para conhecer o resto do povoado, e quase ninguém escapou, que é como quem diz, não conheci todos, mas a amostra que tive foi bastante, a começar pela Senhora D. Cândida Tenreira Rosinha, personagem importante desta obra de ficção e mulher bem real, chefe actual de uma família que, nesta terra, é a minha.

Com este guia – pois foi com este livro que me iniciei na história e na vida da aldeia e da região - abalancei-me à Igreja, fotografei tudo, com os olhos primeiro e com a máquina a seguir. Nem sei diferençar já o que vi do que li, tal as duas realidades se misturam e interpenetram. Afinal o que está escrito também existe e mesmo esta vida é também em boa parte uma ilusão, como todos sabemos.
Refiro ainda o filme do José Carlos Calixto que me apresentou Vale de Espinho antes de aqui vir.

Ali ao lado, as formosas e singelas janelas debruadas a granito nas quais, ao que parece, ninguém repara. Imaginei a Senhora do Rosário em procissão, todos os vale-espinhenses em fato domingueiro, o Padre Paulo à sombra do pálio e, a terminar, uma fanfarra numa marcha triste; vi o mestre-escola afagar a cabeça do pequeno aluno nos azulejos e pareceu-me ouvir dizer-lhe: o pampilhete, a raiola, não bastam, é preciso estudo e dedicação; aproveitei a sombra do álamo centenário da Igreja e também vi o das Eiras; ia jurar que ouvi os anúncios em altifalante do circo do Armando Valente, ou seria da próxima capeia, essa tourada sem sangue onde não há lugar para os caganechos? Fugi ao mau olhado da Erveiginha e aos anjos maléficos da Ti Maria dos Cocilhos, e para isso servi-me do chá de poejo da Maria José e do Zé Silva, religiosamente bebido todas a noites (como ontem aliás); calcorreei os valados do Côa, subi as fragas da Malcata e da Gata, quase a voar e não se me aleijavam os pés, até parecia que tinha os tamancos de pau de amieiro do Ti Zé Manel Margarido; ouvi o meu amigo Manel Coxo cantar o fado e com ele bebi umas águas – das que ardem -, faltou a apenas o acompanhamento do pífaro do Ti Zé Catalino, ali, ao cimo da escaleira de granito, frente à alfaiataria; com o Manuel Carlos levei umas lições de lavour, gastronomia e amizade; explicaram-me que sobrevivência e contrabando foram sinónimos, nestas terras divididas à régua pelas distantes capitais, ignorantes da geografia e dos povos e suas maneiras; e mais, muito mais visitei e aprendi a ler nas estradas, ruelas e quelhes de Vale de Espinho, Navas Frias, Fóios, Quadrazais, e por aí fora.

Não vale a pena procurar as coisas belas do mundo e pelo mundo se aquelas que nos estão próximas nos são indiferentes. Não há pátrias que cheguem se uma alma não encontra num pedaço de um parede ou de uma calçada da sua aldeia o universo, dos Champs Elysées à Quinta Avenida, da Ópera de Sidney à floresta da Amazónia. Tudo está aqui, e viajar e conhecer mundo só faz sentido se soubermos que o nosso campanário - sim porque todos, da infância, trazemos colado a nós, um campanário ou um farol a alumiar-nos o caminho – é inapagável e insubstituível. Veio connosco das diabruras da infância e, como uma carraça (ou uma lapa para quem é, como eu, do lado do mar) pega-se a nós, penetra-se-nos no corpo e na alma e vai também connosco para o inevitável túmulo na hora final em que deveríamos todos dizer: valeu a pena ter vivido. E para valer a pena ter vivido são precisos livros como este, que não são apenas uma choradeira de lamentos e saudades mas antes um manifesto de alegria e um alicerce do porvir para os jovens que se nos seguem.

E do poeta de Côa-Águeda, Tomás Acosta Piriz, recordamos parte de um poema

Essa terra
A tua a minha que um dia nos separa,
Tão brutal e canibal,
A que dizem que é pátria
Ou verdade prometida

A terra de ninguém

E de ninguém, que, como sabem, é igual a dizer, de todos, são estas páginas do vosso conterrâneo Joaquim José, homónimo amigo, que soube bem sachar o passado e semear um futuro, onde cada um irá colher o que o presente, qualquer presente, tem sempre tendência a negar. Joaquim José Martins como que “Agarrou o boi à unha!” e, nesta capeia paginada, soube encontrar a alma, que é a sua , a destas terras serranas raianas tão necessitadas de reganhar a confiança que os seus filhos e a sua paisagem merecem.

Muito obrigado aos vale-espinhenses e a todas as mulheres e homens destas terra de Côa e Águeda por me receberem e parabéns a todos por terem ajudado o Joaquim Tenreira Martins a ter escrito este carinhoso livro que hoje apresentamos.

Joaquim Pinto da Silva

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