Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

3 de outubro de 2008

Uma grande proposta, Castelo da Foz

Uma grande proposta

I — O FUTURO NOS ABSOLVA!
Junho/79 — N.º8

(Primeiro de alguns artigos sobre a preservação e aproveitamento do Forte de S. João Baptista, vulgo Castelo da Foz)

As ervas cresceram por todo o lado; as ameias encontram-se desfalcadas de bastantes pedras; vários canhões vêem-se aqui e ali ao abandono carcomidos pela ferrugem; o lixo amontoa-se nos cantos e nas vetustas celas e salões com seu cheiro pestilento; o madeiramento roído ameaça desabamento a qualquer hora; espalhados por todo o lado encontram-se peças de pedra (capiteis de coluna, altos relevos) deslocadas dos seus lugares originais e assoladas pelo homem; mesmo as placas evocativas bastante mais modernas, se encontram deterioradas e ilegíveis. E a isto se poderá chamar uma visão optimista do estado actual em que se encontra o Castelo da Foz.
Numa situação invejável, com uma história já secular e de certa monta, o Castelo da Foz tem vindo a se transformar, por força da destruidora mão humana e da ignorância e egoísmo das consciências actuais, num montão de ruínas e destroços a que ninguém dará a mínima importância dentro de algum tempo.
Desconhecido o seu interior, para já não falar da sua história, pela maioria esmagadora dos habitantes da freguesia, o castelo possui características de situação e de planta de rara importância, no passado como no presente. Na embocadura do rio Douro, antigamente batido a oeste pelo mar, dominava com grandes horizontes toda a vida marítima das proximidades, tudo levando a crer que juntamente com o lugar da igreja terem sido os centros da vida pública de séculos atrás, e ponto de partida para o povoamento célere das terras mais a norte (Carreiros).
Amolecida a sua importância militar, generalizada a todos os castelos e fortins, pela modernização constante dos meios de guerra, tornou-se rapidamente e daquele ponto de vista (militar), num edifício inútil a que a única serventia a dar era a de serviços administrativos ou trabalhos afins, o que veio a suceder há uns anos atrás com a instalação de um posto de Telegrafia, até que, mais tarde, se deu o abandono completo do Castelo pelos militares, que contudo mantêm a tutela sobre o mesmo.
Algo nos parece, no entanto, certo; a manter-se o estado actual de abandono, a degradação do nosso bonito e principal monumento histórico crescerá até atingir consequências de momento imprevisíveis.
O PROGRESSO DA FOZ ao abordar o assunto pretende lançar desde já o alerta à população e propõe-se alvitrar propostas, não apenas de preservação, como até de aproveitamento do mesmo.
Dentro desta ideia o repto fica no ar: que todos os interessados, técnicos ou simples entusiastas, que tenham propostas concretas para o aproveitamento, manutenção e restauração do Castelo, como também todos os que possuam documentação (livros, fotografias, etc.) sobre o seu passado e presente, que nos contactem de forma a se conseguir uma conjugação de esforços para levar a cabo a tarefa proposta.
A nossa resposta ao amorfismo das gentes e à passividade das instituições será a de fazer a confluência das vontades, de forma a que o futuro nos absolva dos desvarios cometidos pelo passado mais próximo e pelo presente.

II — UM CASTELO COM HISTÓRIA
Julho/79 — N.º9

Lamentavelmente, as nossas disponibilidades não nos permitiram ainda «construir» a história do Castelo na base da análise e do estudo de documentos, informações e vestígios originais.
Contentar-nos-emos, portanto, em sistematizar certas opiniões e ideias já publicadas, de forma a darmos uma ideia geral e o mais correcta possível, das origens e da vida deste forte, hoje infelizmente desprezado.
Se os seus alicerces e a sua estrutura assentaram por sobre os restos de um convento Beneditino, ou sobre a ex-igreja matriz da freguesia, é problema que está longe de ser resolvido e, quiçá, nunca o será.
Está mais ou menos assente que foi iniciada a sua construção em meados do século XVI mas que apenas na Restauração, no reinado de D. João IV (século XVII), o seu aspecto se alterou transformando-se mais ou menos no que hoje se nos apresenta, ou seja, uma fortaleza costeira com uma certa importância e aparência.
Precisamos de não esquecer que a sua função principal era a de proteger a entrada da barra e que, nessa altura, a nossa cidade possuía já o segundo porto do país. Também convém mencionar que o castelo era bem mais alto de muralhas do que se nos apresenta hoje, para além de ser circundado por profundos fossos defensivos, e que tudo isto foi alterado pela moderna (seria a melhor?) urbanização que o rodeia e também pelas alterações à entrada da barra.
Em períodos convulsos da nossa História teve o castelo papel activo e importante. Em 1640 e alguns dias após o início da revolução anti-castelhana (1º de Dezembro) foi o castelo cercado pelas gentes da Foz e da cidade para expulsar os partidários de Castela que se encontravam no seu interior. Em 1808 partiu dali «o primeiro (?) grito de «revolta» contra os invasores franceses a mando de Napoleão. Na guerra civil que opôs liberais e absolutistas (1832/34) serviu de prisão ao Duque da Terceira e outros destacados liberais, tornando-se mais tarde num bastião destes últimos quando do famoso Cerco do Porto.
Se muitos pormenores da longa vida do nosso castelo ficam por dizer, e muitos motivados pela nossa ignorância do assunto, fica-nos no entanto a certeza de ter dado alguns dos tópicos mais importantes sobre o mesmo, para que especialistas e amadores se debrucem e completem (haverá algum dia alguma completada?) a sua história.
Continuamos aguardando o contacto dos leitores que pretendam participar neste movimento em prol do Castelo da Foz, da sua preservação e aproveitamento. A nossa proposta, que virá a lume em breve, é apenas, como o próprio nome indica, uma proposta; destina-se a ser discutida acrescentada, alterada, ou mesmo rasgada, mas que na sua vez saia uma outra ideia e acção que salve aquele nosso monumento das mãos do pior dos vandalismos: a inconsciente mão do Homem. Como disse Herculano algures e a alguém: «Salvemos o passado, que o presente, esse perdido vai; e oxalá que o abismo não engula também o futuro».

III — LEVANTEMOS UM CENTRO CULTURAL NA FOZ
Agosto/79 — N.º10

(Terceiro de alguns artigos sobre a preservação e aproveitamento do Castelo da Foz)

Continuando a nossa intervenção sobre o assunto, passaremos hoje à especialidade da nossa proposta. Tentaremos responder, não exaustivamente, às tradicionais questões — O quê? Para quê? Como? —, não sem antes reafirmar que neste tipo de movimento cultural e comunitário, mais do que nenhum outro, o carácter democrático e não definitivo de uma proposta deve ser realçado, por forma a obtermos uma discussão alargada ao maior número de pessoas dos mais variados quadrantes sociais, profissionais, etc.
Qual é então o futuro que propomos para o nosso castelo, outrora lindo e imponente, e hoje transformado em hortas, galinheiros, reservatórios de lixo, etc.?
O nosso ponto de partida foi não só o degradante estado de manutenção do imóvel mas também a constatação da necessidade da existência de um centro cultural nesta zona, fixo, dinâmico e atractivo. Um centro que fosse ponto de encontro da população com a cultura, quer pela produção de actividades, quer pela fixação e recepção de outras, e que pudéssemos apresentar aos visitantes nacionais e estrangeiros como um local bonito, condigno, respeitável e útil.
O espaço interior do Castelo é enorme e ao pensarmos na sua transformação imaginamos logo um sem número de actividades e instalações que gostaríamos de ver em funcionamento e de que iremos citar algumas que pensamos ilustram melhor a nossa ideia, ajudando à sua compreensão.
— Uma biblioteca com sala de leitura que aglutinasse aquelas que se encontram dispersas pela freguesia, e não só, e que se encontram fechadas;
— Uma sala de espectáculos grande e moderna, adaptada a cinema, teatro, conferências, etc.;
— Uma sala-museu que expusesse às vistas dos visitantes a história desta região, enquadrando-a na história pátria, referindo as personalidades que nela nasceram, se referiram ou passaram;
— Um salão de exposições, adaptável quando as não houvesse a sala de convívio (com possibilidade de ter esplanada e bar).
Etc., etc.
O atrás dito que fique apenas, repetimos, como mera referência às potencialidades inumeráveis que o Castelo da Foz possui.
Também se depreende que a adaptação do Castelo da Foz aos fins visados, implica, obviamente, uma imediata acção de preservação e embelezamento interior e exterior, tornando-o no local aprazível e frequentado a que tem direito.
O nosso objectivo principal é dotar a Foz com instalações culturais, que não possui, públicas e dinâmicas, de forma a quebrar a modorra que paulatinamente se vai apossando de nós nos ambientes fumarentos dos cafés, no conforto da casa e no individualismo da ganância. Aliás, estamos crentes que o próprio movimento que por certo se gerará possui uma importância incomensurável, capaz de transformar o «sonho» em realidade.
Não ficamos ainda por aqui. No próximo número daremos com certeza um passo concreto para metermos mão-à-obra, pois temos uma ideia, ainda que vaga, da forma como começarmos. Até lá sugerimos que nos contactem, dando sugestões e ofertando-se para uma lista de voluntários (que publicaremos caso se justifique) para esta imensa tarefa, avisando desde já certas consciências que nenhum empreendimento válido foi ainda levado a cabo sem que nos seus alicerces estivesse a argamassa da ousadia.

IV — O CASTELO
Setembro/79 — N.º11

Parte do legado de Henrique Moreira poderá ser património do futuro Centro Cultural da Foz do Douro.

Como apoio à nossa proposta recebemos o primeiro gesto efectivo de encorajamento. Os filhos do escultor Henrique Moreira manifestam desejo de algumas obras de seu pai, particularmente as ligadas ao mar e à vida marítima, virem a ser expostas no Centro Cultural que, segundo nossa proposta, deve ser instalado dentro do Castelo da Foz.
O legado de Henrique Moreira, por decisão da Assembleia Municipal do Porto, com o acordo dos herdeiros legítimos, ficaria exposto numa Casa-Museu a instalar no antigo atelier do mestre escultor. No entanto, e porque sabem estar a interpretar a vontade do (infelizmente) falecido pai, seus filhos mostram-se interessados em intervir no sentido de algum desse valioso espólio pertencer ao nosso futuro Centro. Do andamento desta questão daremos informações aos nossos leitores nos próximos números.
De qualquer forma, trata-se de um gesto que nos impele teimosamente para a frente, sugerindo desde já aos nossos leitores que estejam a par da nossa proposta (inserta nos três últimos números) e que com ela concordem (total ou parcialmente) que nos manifestem por escrito esse apoio e que tentem mesmo materializar esse apoio me sugestões e/ou acções como a acima descrita.
A nível oficial, a quem solicitamos todas as referências possíveis acerca da história e da situação do Castelo, temos recebido provas inestimáveis de interesse e compreensão pela nossa proposta. Desde a Repartição do Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército, da Delegação do Norte da Secretaria da Cultura, passando pela Direcção Geral do Património Cultural e pela Repartição Técnica e Direcção do Norte dos Edifícios e Monumentos Nacionais, de todos estes departamentos e respectivos funcionários e responsáveis, choveram informações de grande valor e interesse.
Terminando, dizemos que a primeira fase da batalha, que se iniciou com o n.º8 deste jornal, durará ainda algum tempo e que ficará concluída quando conseguirmos um número razoável de dados, para podermos sistematizar a proposta e quando possuirmos apoios em quantidade e qualidade que nos permitam levar a nossa tarefa a cabo. Neste momento compete-nos aguardar. A palavra está dada aos leitores, às entidades, ao colectivo.
Concluímos o artigo anterior desta série afirmando «que nenhum empreendimento válido foi ainda levado a cabo sem que nos seus alicerces estivesse a argamassa da ousadia».
Convictos disto, não nos assusta nem a massa enorme do Castelo nem a degradação a que chegou. Pelo contrário: é uma batalha que gostamos de travar e gostaremos de ganhar!

V — ALGUMAS DAS RAZÕES QUE A MOTIVARAM
Outubro/79, n° 12

Freguesia populosa, parte integrante da segunda cidade do país, a Foz do Douro encontra-se hoje do ponto de vista cultural, numa situação de atraso e degredo que importa, mais, é imperioso ultrapassar.
O balanço que daremos a público na separata de aniversário que estamos a preparar, dá-nos conta de que somos uma freguesia onde aparte uma ou outra actividade das associações para os seus sócios, nada acontece no mundo da cultura em geral.
Não temos cinema, e o que está mais perto para além de exibições esporádicas, não tem tido o mínimo critério de selecção; não temos um teatro permanente promovendo anualmente peças variadas (não deixamos aqui de referir o valioso trabalho do grupo de teatro do Orfeão da Foz); não temos uma única sala preparada para exposições artísticas e não só; não se realiza há já muitos anos um concerto ou espectáculo de música de qualidade (de referir aqui também, porque é excepção, o valioso trabalho da Banda Marcial da Foz); não se ouve desde há muito tempo uma única conferência ou colóquio nem sequer cursos de alfabetização ou de educação de adultos; não existe uma biblioteca pública, diariamente aberta, etc., etc.
Em resumo, a Foz do Douro é hoje no geral uma terra amorfa, passiva, em que os habitantes minimamente interessados em se distrair e cultivar se dirigem amiúde ao centro da cidade para o fazerem. E quais são os motivos, as causas para que tal aconteça? Do nosso ponto de vista há três razões fundamentais.
Uma relaciona-se com as estruturas do poder actual, que teima em não considerar «em crise» o sector da educação e da cultura, pelo que não lhe dispensa a atenção necessária.
Uma segunda razão, e da qual já aqui temos falado, está na própria população. Com algumas razões mas sem a razão, ou seja, com motivos para algum desânimo mas não para o descrédito total as pessoas deixaram pura e simplesmente de se empenhar nas soluções colectivas e na procura de formação intelectual, para se voltarem individualisticamente para si mesmas.
A terceira razão reside na escandalosa carência de estruturas para a prática da actividade cultural. Como fazer teatro se não há locais minimamente apetrechados para o fazer? E cinema? E exposições? E para instalar uma biblioteca? E dar um concerto, onde?
Como se depreende foi da análise atrás exposta que nasceu a ideia de lutarmos pela criação de um Centro Cultural polivalente na freguesia. Limitamo-nos a juntar a esta ideia uma outra: a de conservar e dar utilidade pública ao Castelo da Foz.
São dois combates diferentes (o da criação de um Centro Cultural e o da preservação do Forte de S. João Baptista) que resolvemos, porque nos pareceu correcto e útil transformar num só. E se não nos deixarem dar a cajadada simultânea nos «dois coelhos», não nos importaremos desde que os «matem» isoladamente.
Como nota final, queremos remeter o leitor para a carta que nos chegou às mãos, enviada pela turma A do 1º ano da 2ª fase da escola 85, na Foz. São documentos como este que nos incentivam a continuar esperando que das crianças venha o exemplo para os adultos.

VI — CASTELO DA FOZ: QUEM ALEGA EM SUA DEFESA
Novembro/79 — N.º13

As técnica publicitárias e propagandísticas da «insistência» e do «martelar», constantes e sistemáticos, aplicam-se aos mais díspares objectivos, que o diga o período eleitoral que atravessamos.
É assim que voltamos à carga com a nossa proposta, ainda na sua primeira fase — divulgação e mobilização, não com grandes novidades e surpresas, mas para retomar a sua defesa, aproveitando ou argumentando contra algumas das opiniões que, felizmente,
aqui e ali, se vão escutando. Uma viragem nesta campanha guardámo-la para o início do ano vindouro, época sempre propícia às reflexões, às tomadas de consciência e, simultaneamente, aos «volte-faces» favoráveis às causas do PROGRESSO.
Diga-se, no entanto, e desde já, que cada dia que passa no nosso Castelo — monumento nacional — há uma pedra que cai, um recanto que se atulha, uma erva que brota por entre as fendas já plenas de raízes. Mas se até agora se poderia invocar o desconhecimento e a apatia, hoje tal não é possível.
O PROGRESSO DA FOZ tem publicado e documentado com fotografias, nas suas páginas, artigos em que se clama pela preservação daquele edifício secular. O nosso jornal tem sido enviado para todos os organismos que de uma forma ou doutra são responsáveis pela sua conservação, não tendo até agora visto um único gesto concreto e efectivo de travar o acelerado processo de destruição do Castelo da Foz.
Responsáveis são também os que permanecem espectadores, seja por medo à grandeza da obra, por apatia ou até à espera que os outros preparem a «cena» para que eles feitos «actores» venham posteriormente colher os aplausos pela obra que não fizeram e pelo suor que não suaram.
Continuamos aguardando testemunhos de apoio e de ajuda, sem os quais nada poderemos fazer. Temos as nossas propostas e ideias sobre a forma de «desencravar« o processo, desde a criação de uma associação de defesa do património, até à realização de debates públicos, passando pela elaboração de filmes e exposições, mas não queríamos dar um passo mais sem que nos sentíssemos apoiados, seguros que a nossa lado está o geral de uma população que quer defender o passado (preservação do Castelo) e que quer viver, com V maiúsculo, o presente (criação de um Centro Cultural).

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