Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

3 de outubro de 2008

PORTO 2001, CAPITAL DA CULTURA OU A «CULTURA DA CAPITAL»?

JUNHO’99 — Nº52

Contrariando um título de um artigo do nosso jornal nº40, da autoria do redactor Raul Simões, o responsável-mor da Sociedade Porto Capital da Cultura 2001, Santos Silva, recusa que aquele evento possa ser «a nossa Expo».
Estamos perfeitamente de acordo.
Aliás, Raul Simões e nós próprios, imediatamente a seguir à saída desse jornal, debatendo livremente aquele título, chegáramos à mesma conclusão: o modelo da Expo é um modelo do centralismo, foi uma megalomania que nos saiu e está a sair cara e destinou-se fundamentalmente a servir clientelas económicas (a dos construtores civis, das grandes empresas para-estatais) e a dar emprego a um, cada dia mais vasto, grupo social extremamente aguerrido e ambicioso que, em Lisboa, vagueia dentro e à volta do poder, sem olhar à cor do mesmo.
Poderíamos então pensar que a Capital da Cultura está no caminho certo? Na verdade ainda não sabemos completamente, mas apercebemo-nos que, sem questionar capacidades pessoais e intenções dos dirigentes seleccionados para dirigir esse grande acontecimento, alguns dos caminhos apontados ou ausentes nas linhas até agora publicitadas anunciam-nos irreversíveis erros dada a proximidade do calendário.
A massa de artistas, escritores, grupos de teatro, associações, publicações, e afins, que constituem riqueza empreendedora apreciável desta cidade não tem sido citada ou impulsionada a aderir em concreto ao projecto, fazendo-nos imaginar um massivo recurso à importação de acção cultural; a enervação social, que poderia beneficiar de um impulso excepcional e sustentado neste período, não mereceu alusão: os pobres não terão «capital»; o mesmo para a centralidade positiva do Porto na região, alargando geograficamente a «capital» ao conjunto do Norte; e ainda noutros domínios onde voltaremos amiúde e criticamente.
Hoje, ocupa-nos mais o facto de a zona ocidental da cidade, de Monchique até à Via Rápida, e da Circunvalação a Agramonte, não merecer nenhum investimento especial nos programas até agora anunciados. Assusta-nos sobretudo o esquecimento a que se votou a criação da zona histórica protegida da Foz Velha: do Passeio Alegre, Cantareira, Monte e Feira. Dir-se-ia que a «cidade» se contenta com a Ribeira/Barredo, Miragaia, Sé. É verdade que finalmente se anuncia a desobstrução da Capela de S. Miguel-o-Anjo, mas convém lembrar que o património nos interessa preservado para as ciências da História, alindado para o turismo interno e estrangeiro e, também e se possível, servidor e funcional para as populações. Assim, insistimos para que, em conjunto com as autarquias locais, as forças culturais e sociais locais, se discutam abertamente as carências das zonas citadas analisando as virtualidades e possibilidades de utilização de imóveis públicos para a criação dos equipamentos culturais tão necessários à sua vivência (Castelo do Queijo, Casa de Ramalde, Castelo da Foz, etc.). Se resumir interessa, e para além dos detalhes que serão sempre discutíveis, o importante é não apenas não imitar a Expo no que ela teve de sorvedouro financeiro e de conceito grandioso passadista, mas também na recusa da sua «cultura de capital», nos favoritismos de postos, no total fechamento decisório e no alheamento completo entre o «feito», a sua utilização futura e as populações*.

Não esquecer que aquilo a que se diz ser o auto-sustento do Parque das Nações, tal como ainda acontece no Centro Cultural de Belém, deve-se a diversos e quase secretistas acordos com Ministérios, outras entidades oficiais e empresas para-estatais. Em suma, o erário público não apenas pagou a construção do Parque como continua a manter o seu funcionamento.

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