Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

2 de outubro de 2008

O RATO

A paciência, persistência: invejava-o. Dia raro o que a praia não lhe registava o passo. Amiúde, as marcas de ontem cotejavam as da hora, solitário pesquisador da restinga ondulada, botas, ensebadas rara vez, traçadas de salitre, calças de ganga fina sob entrevisto pijama de felpo.

Traços curtos, fortes, deixava a haste de laranjeira duriense, na busca, ansiedade, do encontro, do mistério, da fortuna tímida entre ramagens quebradas, vazias latas de azeite, de óleo, de pilhas verdetes, de plásticos multicores, marcas de amores sem fruto, fruta esventrada aqui, cabeças de sardinha, putrefactas gaivotas adiante, pegajosas manchas de crude omnipresentes.

Sem traço. O «rato» passou-se para o esquecimento, da riqueza não constada, diz-se que pleno de histórias de maresias, de fustigantes nortadas de mistérios indesvendáveis, ligados porventura — dizia-se — aos achados macabros: inúmeros membros humanos decepados, de infelizes embarcados?, de ajustes?, às cartas acusatórias de paixões interditas, a, sabe-se lá!, mensageiras garrafas, a agonizantes náufragos que lhe confiavam empenhos últimos.

23 de Maio de 1996

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