Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

2 de outubro de 2008

A Foz Velha a Saldo

Outubro de 1997

Câmara e Junta Responsáveis ou Coniventes!

Sem o Homem o Património não vale nada, tal é a conclusão principal, que não única, de um apaixonado artigo de Hélder Pacheco que publicamos em tempos no nosso suplemento Qual Cultura?
Preservar o património é também preservar a qualidade de vida das pessoas, no sentido mais lato da ideia, isto é, presentificar a pertença a uma comunidade com uma História e um viver e garantir uma melhoria progressiva das condições materiais da existência.

Tínhamos já, em tempos, nestas páginas, alertado para o facto de que de pouco servirá a cidade do Porto a classificação de Património Mundial da sua zona ribeirinha se tal facto significasse o fim da alegria, da vivacidade daqueles quarteirões populares. Saneamento, sim, higiene, também, novos negócios de lazer, porque não?, transferência de uma parte da população excedentária, talvez, mas nunca retirar a Ribeira a sua componente fundamental: a sua população de trabalhadores e comerciantes, a verdadeira construtora e herdeira de todo aquele espaço, diríamos mesmo, a sua alma.
Mais dissemos, que não se pode ser a favor do Património numa parte da cidade enquanto que noutros bairros se deixa destruir a eito sem atender à componente humana e paisagística do local.

Ora, o que desde há alguns anos se passa na Foz do Douro é sinal demonstrativo, no mínimo, da incompetência (será só?) das autoridades e da falta de visão de futuro, …e de passado, das políticas municipais.
Quem ganha com a construção de novos prédios na Foz Velha?
Os habitantes do prédio, talvez! Porventura também alguém que «facilitou» a aprovação do projecto. Com certeza, ainda, os políticos que temos a gerir a nossa cidade e freguesia que praticam o «quanto mais eleitores, mais votos».
A maioria da população, a que pretende uma vida calma e com qualidades mínimas, só tem a perder com os exageros da construção em altura ou com a concentração irracional por metro quadrado.

A principal riqueza humana da Foz Velha residia antes na sua composição interclassista e nisto era exemplar na cidade e mesmo no país e, mais ainda, vai de par com as mais modernas concepções urbanistas que retomam aliás essas práticas de mistura social em vez de guetos.
Na Foz, ainda que em casas diferentes, claro!, o rico vivia ao lado do pobre, o comerciante ao lado do trolha, o bancário ao lado do lixeiro, as «boas» famílias ao lado das honestas famílias pobres.
O que tem acontecido é que, com a construção desenfreada, os habitantes mais desfavorecidos têm de partir para outras zonas da cidade e da periferia. Mas também os que chegam não beneficiam já muito desta Foz que foi bela e calma e onde hoje em dia não se pode andar descansado na rua. As ruas estreitas e tortuosas passam a parque de estacionamento, independentemente dos novos prédios terem obrigatoriedade de criar garagens, e o tráfego aumenta desajustadamente à sua dimensão. Os pequenos passeios, feitos para um número restrito de pessoas, ficam rapidamente cheios e são constantemente agredidos pelos rodados das viaturas em manobras difíceis.
A população habituada desde sempre a deixar os seus filhos ir até à rua sem preocupação e, de certa forma, a viver nela, vê-se agora angustiada e remetida cada vez mais ao interior das casas.
Tal é a situação que, repetimos, não beneficia nem os antigos nem os recém-chegados habitantes da Foz.

Ao contrário do que possa parecer, quanto mais se deixar construir nesta zona mais ela fica cara, pois o preço por metro quadrado está directamente ligado à possibilidade que esse metro quadrado tem de se reproduzir em cimento armado.
Se, pelo contrário, se impedir na Foz Velha a construção em altura ou de fogos em demasia, o especulador imobiliário e o construtor civil – os grandes interessados – não manifestarão mais interesse na compra de terrenos ou casas degradadas para demolir.
Para alem disso, património a preservar, não é só o construído mas é também as tradições, os espaços a paisagem, etc. Proteger o património e defender os sãos hábitos sociais das pessoas (o «modus vivendi»), e tal não é uma politica para poderosos, antes pelo contrario: é a única forma de defender as pessoas mais pobres das agressões dos que onde existia uma pequena casa modesta de gente modesta constroem um prédio de 3 ou 4 apartamentos …e que nunca serão para gente modesta.

O desprezo e ignorância da politica da Câmara do Porto em relação aos factores «não técnicos», isto é, aqueles que implicam um conhecimento profundo e concreto dos locais, é total.
A juntar a isto há a total subserviência do actual Executivo da Junta da Foz do Douro em relação a Câmara. Era a ela que sobretudo competia denunciar em primeiro lugar na Assembleia Municipal e publicamente a politica camarária desastrosa e quase irremediável em relação à nossa Foz. Avelino Oliveira, o presidente, faria bem se em vez de nos cantar loas a nossa terra, a nós que a conhecemos e a amamos, tal como fez no último número do nosso jornal, fosse praticar esse amor que diz sentir perante os responsáveis da execrável politica urbanista da Câmara.
É verdade que o Executivo de Avelino Oliveira não tem poderes imediatos nem práticos para alterar a situação, mas tem esse poder ilimitado e essencial que é a voz própria, e que poderia, usado nos momentos precisos e alicerçado nos interesses profundos dos cidadãos, ter já alterado alguma coisa.
Infelizmente, o presidente e o Executivo da Foz do Douro voz própria poucas vezes a tiveram e atitudes ainda menos. E, para nossa infelicidade, nas ínfimas vezes que lhes ouvimos a voz e sentimos a sua acção foi sempre do lado errado, quer dizer, sempre contra a Foz; que o digam a Academia e nos próprios.






(legenda da foto com prédio)

Novo prédio na Rua da Beneditina. Qual e o critério urbanístico que presidiu a aprovação deste projecto? Vai a rua virar Avenida para permitir o trânsito automóvel, e, então, todo o casario antigo (e bonito) está condenado?
A Câmara e/ou a Junta que digam clara e publicamente o que pretendem. E já agora Senhor Presidente da Junta, onde está a tal comissão para demarcar a zona protegida da Foz Velha?

(publicado n'O Progresso da Foz)

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