Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

3 de janeiro de 2008

Xavier Queipo, Um Escritor Que Veio do Frio

Bonaparte, Império da Literatura

Um Escritor Que Veio do Frio
Xavier Queipo

3 de Janeiro de 2008

Aos presentes
Ao Bonaparte, à Cláudia
Ao Xavier Queipo, amigo e companheiro do Couto Mixto de Bruxelas, grupo de reflexão e discussão acerca de temas da Galiza e de Portugal

O Progresso da Foz

Duas palavras curtas sobre nós.
Em Dezembro de 1978 saía um exemplar do jornal O Progresso da Foz. Comemora este ano portanto 30 anos este jornal e grupo cultural.
Queremos fazer deste ano de 2008 o ano da retoma da organização e das actividades, diga-se que estas não têm parado, como se vê, mas a vocação essencial e primacial das pessoas que fundaram e orientaram esta colectividade foi sempre a da intervenção cívica, na qual se insere aliás toda a acção cultural.
Não somos diletantes intelectuais interessados apenas na produção e edição de textos para uso de investigadores e homens de letras. Somos um grupo localizado – e por isso universal – que pretende contribuir pela prática da liberdade e da acção cívica senão para um mundo melhor que seja pelo menos para um mundo “não pior”, que evite a catástrofe.
A reedição do jornal O Progresso da Foz é portanto o nosso objectivo número 1, aquele para o qual mais que de assinantes precisamos de militantes.
A substituição da conversa crítica de café, da lamúria continuada, pela escrita pensada e consciente, que pode levar à acção e à mudança, é então o móbil desta publicação.
Por outro lado o levantamento histórico, social e cultural do Porto Ocidental, desta Grande Foz, continuará a ser nossa prática através das nossas publicações e conferências.
Destacamos pela dinâmica nova que trouxe à nossa acção as Conferências do Passeio Alegre, que deram já origem a 3 Cadernos do mesmo nome. O Prof. Dr. Pedro Baptista, director das mesmas iniciou-as no início de 2007 e em Setembro com Mário Cláudio e há dias com António Rebordão Navarro completamos o seu primeiro ciclo de 2007.
Raul Brandão, António Nobre e Camilo Castelo Branco foram temas abordados em pontos específicos.
Este programa Bonaparte, Império da Literatura, continuará também nesta casa que é de In Vino Veritas Literárias.
Contamos fazer um programa, modesto por certo mas atraente, de comemorações do nosso 30º aniversário, que em breve vos enviaremos.

E ainda antes de passar à apresentação do nosso convidado, duas palavrinhas acerca da Galiza… de lembrança... de provocação.

Galiza

Escondida, ostracizada, apagada da nossa História por processos bem mais malevolentes, e por isso mais eficientes, a Galiza representa a mais longa traição de Portugal às suas origens e ao seu ser
Traição é palavra ainda leve, porque de matricídio se trata. Galiza é para além de topónimo bem nosso, do latim Galleciae, era o território do noroeste peninsular que se estendia mais ou menos da Cantábria para Oeste até ao Mondego a sul, englobando a largos espaços as serranias da Estrela.
Não pretendo agora, até por limitações subjectivas… e objectivas, discutir as questões das origens de Portugal; se somos mais galaicos que lusitanos, mais suevos que visigodo.
Quero apenas lembrar entre muitíssimos outros elementos aqueles que por serem comuns e ab ovo, isto é da nossa matriz, são claramente renegados em termos das ciências históricas e antropológicas, entre outros e apenas coço lembretes: esse imenso e inexplorado património castrejo, a arquitectura românica, o património oral, quer no canto quer no conto, a riqueza gastronómica derivadas de técnicas e produtos agrícolas comuns, e para não me alongar, a poesia dos nossos trovadores do XII e ao XIV.
Colocar estes valores no cerne das nossas investigações e actividades, e aprofundar os contactos com a modernidade galega, não esquecendo a sua também fabulosa diáspora, é tarefa bem necessária, por motivos evidentes de raízes comuns mas mais ainda de salvação pátria.
O Progresso da Foz, que já nas suas páginas acolheu esta matéria, criará um programa sistemático e persistente para que nesta cidade do Porto se fale da Galiza, isto é, para que a Galiza histórica e contemporânea seja falada numa das cidades mais galegas de toda a galeguidade.

Xavier Queipo

Em Dezembro de 1990 iniciam-se as aventuras literárias públicas de Francisco Xavier Alvarez, esse menino (esse neno) que escrevia nos livros embaciados do casco antigo de Compostela.
Ártico é o seu primeiro livro e desde aí até Dragona, o seu último trabalho, contam-se já por dezenas de obras públicas, da literatura à poesia, passando pelas crónicas. Xavier é aliás colaborador assíduo da imprensa e da rádio galegas.
Poupo-vos a descritiva dos títulos, mas quero dar-vos apontamentos acerca de duas das suas obras que tive o prazer de ajudar a apresentar em Bruxelas, na Orfeu, livraria portuguesa e galega.

Em Os Ciclos do Bambu experimentamos o minimalismo dos haikus transposto para histórias belas e profundas, conluiamos com ele na crítica a um Oriente invadido pelos valores do lucro e da vulgaridade e persistimos na estranheza da leitura cadenciada de palavras como se fosse um jogo de sensações plásticas e profundas, sempre repetidas, contra o esquecimento. Xavier Queipo, tenta avisar-nos que as palavras encerram em si a beleza e a magia de um tempo perdido e que urge recuperar sem demora.
Este texto é da Deriva Editores, a editora em Portugal de Xavier Queipo. António Catarino, aqui presente, é o seu director.

En Dragona, preséntanos unha “novela de personaxes”. Nunha cidade sumidoiro, cualificada polo autor como “A cidade do esteiro”, desenvólvese a vida dunha serie de personaxes atípicas chegadas dos catro cantos do mundo, que transitan entre a desesperación e a lubricidade, entre o comportamento fútil e as paixóns máis primarias. Dragona é unha novela con banda sonora e recreación no terreo se cada máis inexplorado da narrativa galega, aquel que analiza con precisión de cirurxián os sentimentos e as paixóns coma se fosen tecidos dun corpo único. Esta novela marca, para o autor, un antes e un despois na súa procura constante, na procura do que non se ve, deses lindeiros da incerteza, o que Cortázar chamaba “o outro lado”. Dragona é unha parábola do futuro que nos espera, que está aí, que xa chega.

E duas palavras ainda sobre o intelectual

Médico e biólogo, especialista no sector das pescas enquanto funcionário da Comissão europeia, todas estas vivências se reflectem obrigatoriamente na sua obra. Dos detalhes clínicos, à descrição de fauna e flora, as cidades portuárias da Europa, tudo isto e muito mais se encontra nas sua obras adensando-as, enriquecendo-as. Investigação, Desenvolvimento e Inovação são preocupações que perpassam também na sua escrita.
Os escritores deveriam preocupar-se mais com a sua obra que com a sua imagem
A sua relação com a modernidade, a anterior e a pós, é crítica e evolutiva. A sociedade não lhe é obviamente indiferente, mas está seguro que não escreve para construir uma pátria nem sequer para salvar a língua. A sua língua não é a sua pátria, pois ele nasceu com duas maternas e estudou outras nas quais trabalha, em traduções ou em escrita directa.
A sua relação com a política – num país civicamente efervescente -, e no caso concreto, o nacionalismo galego, é a do intelectual atento mas escusado ao ditame político.
Queipo é um interveniente da palavra, com a obriga da procura de novos caminhos, e entende que é aí – e basta - que reside a sua contribuição-mor à comunidade enquanto parte.

Joaquim Pinto da Silva
Foz, 3 de Janeiro de 2008

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