Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

23 de outubro de 2006

Prefácio ao livro Igreja Matriz da Foz do Douro


(prefácio a Igreja Matriz da Foz do Douro, de Artur Magalhães Basto)
Esquecida dos roteiros turísticos da cidade, embora monumento nacional, a meio d’O Monte, com a Rua das Laranjeiras e a rampa como alcantilado embaraço ao forasteiro, a Matriz da Foz eleva-se por cima da povoação, numa elegância austera e sedutora.
Aquele adro de árvores frondosas, aquele muro rural nas Laranjeiras, a Fonte dos Frades, a íngreme rua do Sacramento, a de S. João que vai desembocar na Cantareira, o Pátio das Japoneiras, toda essa envolvente, com, mais acima, os arcos restantes do aqueduto, que a provia de água, ao cimo de Padre Luís Cabral, representam um núcleo pitoresco e importante da Foz Velha, a bela... a abandonada.
Mocinho ainda, calcorreei por ali, sempre impressionado pelas altas empenas da Igreja e das suas janelas elevadas, e, educado no silêncio e na paz do seu interior, onde minha avó, Rita Leopoldina de Carvalho, e depois minha tia Ana Luísa, se ocupavam com esmero dos arranjos das flores, ganhei para a vida o estreme respeito e amor por esses serenos edifícios que são as Igrejas, em particular esta, a da Foz.
É pois de coisa também minha que trata este livro.

Artur de Magalhães Basto, o autor

Depois do dito sobre o autor, por Manuel Real, no prefácio a “A Foz Há 70 Anos”, de nossa reedição, e porque outra altura e outras edições mais haverá para homenagem mais consistente, apenas queremos referir que, ao ser o professor e escritor devoto e profundo mas aliciante na maneira, ao ser o funcionário zeloso e profícuo que dirigiu o Gabinete de História da Cidade e os Serviços Culturais da Câmara do Porto, ao ser, acima de tudo, o Historiador do Porto, que o necessitava e o merecia, Artur de Magalhães Basto é, por todas essas razões, um historiador de Portugal. Evidência contraditoriamente opaca para muitos, pois a nossa cidade de algumas décadas a esta parte apoucou-se no concerto do país, culpa segura de elites desassumidas, consequência das fraquíssimas gestões da polis, delito certo da abstenção cidadã, esta de tão magníficas tradições locais. À profundeza e à argúcia a que o autor levou os seus estudos sobre a nossa cidade, e sendo esta trave-mestra da e de portugalidade, decorre em honesto discernimento a importância nacional da pessoa e do trabalho de Artur de Magalhães Basto.

As velhas Matrizes

Uma pequena ermida românica dos primórdios da nacionalidade, situada à boca do rio, no local onde existe hoje o Castelo da Foz, foi o primeiro templo conhecido (registado) nesta terra.
Mais tarde, no mesmo local e por cima daquela e cercada depois pelos muralhas do Castelo, e que, segundo Camilo Castelo Branco, ainda em 1647 ali existia, seguiu-se a obra de D. Miguel da Silva, começada antes de 1530, da qual sobra hoje a cúpula da capela-mor e partes de paredes e algumas janelas, e que constitui, com o palácio do mesmo Bispo, também hoje dentro do Castelo, e com a capela-farol de S. Miguel-o-Anjo, o primeiro núcleo de arquitectura renascentista em Portugal.
No intervalo entre a destruição desta, por imperativos do alargamento da fortaleza, e a construção da actual, serviu a Capela de Santa Anastácia, na actual Rua de Padre Luís Cabral, de Matriz.
Em 1734 tinha a presente Igreja o seu retábulo-mor, pelo que se depreende que funcionaria regularmente desde ali, como principal lugar de culto da povoação.

A Matriz actual

O que nos relata Magalhães Basto neste opúsculo (e que noutras obras também aborda) prende-se com as vicissitudes da construção da actual Matriz. A leitura do Mestre, fundamentada nos canhenhos históricos e na sua condensação, é portanto insubstituível, mas, nesta nova edição, pois a primeira é de 1953, haveria apenas que a ilustrar para uma melhor inteligência do leitor e deixar no ar algumas observações e questões que poderão incentivar novos estudos e abordagens do tema e a curiosidade dos olhares, infeliz e normalmente, pouco curiosos dos frequentadores deste ilustre templo.
Frei André Marques de Almeida, sacerdote regular da Religião de Malta, falecido em 1649, merece a nossa homenagem pela razão simples de que a ele se deve o primeiro passo para a construção da Igreja naquele local, ofertando os terrenos e algum dinheiro para o efeito e que é, afinal, do que se trata neste opúsculo, dessa dádiva, das suas condições e do seu respeito.
As suas armas, postas, retiradas e respostas por força da Justiça, no arco de transição da nave para a Capela-Mor, merecem o lugar que ocupam, daí serem a capa do presente.
E na linha do juízo do autor, outrossim as de S. Bento, também em granito, mais exuberantes e trabalhadas, demonstrativas do poder da Ordem, e que por cima daquelas se encontram, até porque foram os Beneditinos que terminaram a Igreja e que a geriram espiritual e secularmente durante muitos anos.
Existe ainda uma réplica destas em madeira policromada no coro, que não nos parece poder ser confundida com o painel de madeira onde as mesmas tinham sido pintadas e que encobriam as de Frei André, pelo que damos esse painel como desaparecido.
Dos dois letreiros, D. Gabriel de Sousa (em S. João da Foz do Douro, uma terra beneditina) já assinalava sobrar apenas um, esse encontra-se na parede à direita de quem está voltado para o altar-mor.
Das missas obrigadas pelas condições da doação nada sabemos, assim como da sepultura de Frei André, que estava no chão da capela-mor em 1645 e que presumimos ali continue, sob a actual cobertura do solo.

O edifício e o seu património

Ainda dentro das finalidades deste prefácio, o de ser interrogante, largamos de caminho a pergunta acerca das esculturas que figuravam nos nichos do frontispício e que eram, em 1780, as de S. João Baptista, S. Bento e Sta. Escolástica, e mais atrás ainda, as de S. Pedro, S. Paulo e S. Bento, substituídas por aquelas aquando do terramoto de 1755, altura em que também se repuseram as desabadas cruzes da fachada e da capela-mor. Tudo indica que a única actual imagem, de S. João Baptista, é trabalho relativamente recente.
Neste sentido, sabemos, pelo Cónego Rui Osório, actual Abade da Foz, “que a uma equipa de alunos da Escola de Artes da Universidade Católica, academicamente acompanhados por professores, estão a fazer o inventário, o mais completo possível, dos bens móveis e imóveis da Paróquia: Igreja Matriz, Residência e Quintal; Capelas de Santa Anastácia e Nossa Senhora da Conceição; Passos, incluindo a Capela do Senhor dos Aflitos.”

Em jeito de termo, o que falta?
E, seguindo as pisadas do Mestre Magalhães Basto e da primeira edição do seu trabalho, O Progresso da Foz entendeu também que esta obra, enriquecida agora com fotografias elucidativas, deveria concorrer também para um auxílio, modesto por certo em numerário, mas importante no alerta e na divulgação, à preservação deste monumento moral e patrimonial da nossa terra.
Das obras que necessita, saberão os técnicos, do auxílio que paroquianos e moradores lhe queiram dar, saberão as vendas deste opúsculo, do que ainda nós, grupo cultural e seus individuais, podemos fazer pela Matriz, anunciamo-lo já: a publicação de uma sua história, o mais completa possível, e, no entretanto, a de um folheto histórico-artístico de larga difusão.

Esta edição, a quem se deve?

Aos herdeiros de Artur de Magalhães Basto, e em particular à sua filha Maria do Céu, generosos e motivadores, ao José Rocha, fotógrafo de engenho, e ao Cónego Rui Osório, pastor de almas e gestor de bens comuns, se está obrigado.
Nós, os d’O Progresso da Foz, apenas permanecemos fiéis ao compromisso de 1978, quando nascemos: pela Foz, no respeito do passado e na modernidade do caminho.

Joaquim Pinto da Silva
Tervuren, 23 de Outubro de 2006

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