Do “Ob Scenum” do segredo
público
O exercício das
liberdades públicas implica também o direito de acesso aos documentos
administrativos do Estado. O direito dos cidadãos a conhecer os documentos da
administração pública faz parte de princípios constitucionais antigos em muitos
países (Suécia, pe): “A melhor forma de governo é aquela que comporta menos
segredos, a coberto dos quais a malevolência e a maldade dos homens podem
esconder-se” – afirmava o principal inspirador da lei sueca de 1766.
Para garantir ao
cidadão o bom, correcto e honesto exercício das funções de governo, o direito
de conhecer é aquele poder colectivo que, pela publicação dos assuntos de
Estado, ajuda a impedir os abusos de poder.
Ora, um dos traços
mais marcantes da mundialização económica e financeira é a sua opacidade
jurídica. Sobretudo a nível financeiro, mas também no da política pura, o
encobrimento de operações e decisões de impacte importante para os países e
para o mundo em geral, tornou-se regra inapelável. Quando se trata de assuntos
públicos a publicidade deve ser a regra e o segredo a excepção.
Nesse sentido, a
origem eventualmente ilícita (face às leis) de uma informação torna-se
secundária se essa informação se revelar legítima (face à moral) e importante,
porque de interesse público, para alertar e denunciar comportamentos
visivelmente prejudiciais aos povos e ao planeta. Por outras palavras, o
direito primordial a informar a população, porque condiciona a vitalidade
democrática, é prioritário.
A resistência cidadã,
baseada no interesse comum e nos princípios éticos que devem orientar uma
sociedade pode implicar, nos casos de gravidade reconhecida, a divulgação de
documentos e factos que são perversamente sonegados por quem detém o poder. A
organização de fugas massivas de informação pode ser um instrumento dos povos
contra governos e actividades baseados no monopólio do segredo em favor de
alguns interesses, opostos aos benefícios colectivos é à seriedade exigida à
acção política.
O segredo é a
principal protecção da fraude económica e política, essa segunda natureza das
administrações e dos negócios, afastados do cidadão e dos seus interesses. Transita
assim o governo da sociedade para fora do palco, onde pode ser visto e auditado
pelos povos, como que sai fora de cena (“ob scenum”, em latim), tornando-se
isso mesmo, obsceno.
Joaquim Pinto da Silva
(da leitura de “Le Droit de
Savoir”, de Edwy Plenel)
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