Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

12 de março de 2021

A obscenidade do "segredo" na administração pública

 

Do “Ob Scenum” do segredo público

 

O exercício das liberdades públicas implica também o direito de acesso aos documentos administrativos do Estado. O direito dos cidadãos a conhecer os documentos da administração pública faz parte de princípios constitucionais antigos em muitos países (Suécia, pe): “A melhor forma de governo é aquela que comporta menos segredos, a coberto dos quais a malevolência e a maldade dos homens podem esconder-se” – afirmava o principal inspirador da lei sueca de 1766.

Para garantir ao cidadão o bom, correcto e honesto exercício das funções de governo, o direito de conhecer é aquele poder colectivo que, pela publicação dos assuntos de Estado, ajuda a impedir os abusos de poder.

Ora, um dos traços mais marcantes da mundialização económica e financeira é a sua opacidade jurídica. Sobretudo a nível financeiro, mas também no da política pura, o encobrimento de operações e decisões de impacte importante para os países e para o mundo em geral, tornou-se regra inapelável. Quando se trata de assuntos públicos a publicidade deve ser a regra e o segredo a excepção.

Nesse sentido, a origem eventualmente ilícita (face às leis) de uma informação torna-se secundária se essa informação se revelar legítima (face à moral) e importante, porque de interesse público, para alertar e denunciar comportamentos visivelmente prejudiciais aos povos e ao planeta. Por outras palavras, o direito primordial a informar a população, porque condiciona a vitalidade democrática, é prioritário.

A resistência cidadã, baseada no interesse comum e nos princípios éticos que devem orientar uma sociedade pode implicar, nos casos de gravidade reconhecida, a divulgação de documentos e factos que são perversamente sonegados por quem detém o poder. A organização de fugas massivas de informação pode ser um instrumento dos povos contra governos e actividades baseados no monopólio do segredo em favor de alguns interesses, opostos aos benefícios colectivos é à seriedade exigida à acção política.

O segredo é a principal protecção da fraude económica e política, essa segunda natureza das administrações e dos negócios, afastados do cidadão e dos seus interesses. Transita assim o governo da sociedade para fora do palco, onde pode ser visto e auditado pelos povos, como que sai fora de cena (“ob scenum”, em latim), tornando-se isso mesmo, obsceno.

 

Joaquim Pinto da Silva

(da leitura de “Le Droit de Savoir”, de Edwy Plenel)


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