22 de setembro de 2017
Referendo na Escócia
17 de Setembro de 2014 ·
Amanhã, mudará o mundo?
Na Escócia reside uma certeza e uma esperança.
Os Estados-nação (do XIX) e os sistemas “socialistas” (do XX) fracassaram completamente na criação de comunidades políticas plurinacionais. Sem excepção, a coacção de uma grei (a do poder de Estado) sobre as outras foi de regra, dos falantes da língua d’oïl aos grão-russos, passando pelos sérvios até à Espanha actual.
O jacobinismo e o “socialismo de Estado” prepotentes conseguiram quase eliminar, ou transformar em exotismo turístico, as peculiaridades de certas nações esvaziando-as do conteúdo próprio (a língua, a cultura e a vontade autónoma). Esses sistemas seguiram-se aos grandes impérios/reinos multinacionais em que se, por um lado, as particularidades foram, nalguns casos, mais respeitadas do que hoje (por exemplo, na Sublime Porta), por outro, o despotismo os levou à perdição.
As Revoluções Francesa e Soviética, falando das mais sonantes, nos seus objectivos igualitários e uniformizadores menosprezaram as componentes nacionais, erigindo Estados que pretensamente tratariam por igual os seus cidadãos, mas que no dia-a-dia impunham uma maneira e uma língua, a da nação dominante. As poderosas máquinas administrativo-políticas instituídas não poderiam conceber que, para além das necessidades materiais e de funcionamento de uma sociedade, os aspectos imateriais e subjectivos, ligados à identidade própria de partes dessa mesma sociedade, têm um peso primordial na sua vida e na procura da sua felicidade.
Normalizadores “per natura” e por convicção, jacobinos, socialistas, comunistas, fascistas e outros, não conseguiram, no entanto, “limpar” por completo algumas das nações dominadas – muitas delas mais antigas que a dominante – permanecendo estas num limbo secular de que agora despertam, reafirmando-se. Um novo mundo e uma nova Europa deverão definir-se doravante pela união livre e voluntária das nações e não apenas pelas prepotências dos Estados-nação, por muito “democratas” que estes possam ser.
Um cidadão nascido numa comunidade concreta, com uma língua e cultura que não sejam a dos do poder (curdos, catalães, corsos, etc.) nunca, mas nunca, conseguirá ter as armas políticas e legais que lhe permitam uma afirmação social, na sua língua, de par com a reinante. Se se rebaixa usando a do poder, então até pode resultar num tirano pior ainda que aqueles falantes (Napoleão que era corso, Franco, galego, Hitler, austríaco, Estaline, georgiano, etc.).
Relembro também que na estruturação intelectual concebida e imposta pelas nações dominantes nos Estados-nação o papel que representa a historiografia e a língua oficial (a da nação dominante) é arrasador em relação aos dominados. Como exemplos gritantes acentuo o apagamento da importância extraordinária, mesmo na construção europeia, da cultura e língua da Occitânia, na História de França, ou a atitude do Instituto Cervantes de olvido quase total das outras línguas da Espanha actual (é apenas o espanhol que promove). Permito-me, em relação a Espanha, dizer aos meus amigos monárquicos, que Filipe VI (se pudesse, se soubesse e se fosse “a tempo”) perdeu uma oportunidade histórica de, pelo menos, atrasar as afirmações nacionais no seu país, ao discursar apenas em castelhano na sua coroação. Que efeito teria se tivesse dividido o seu falar nas 4 línguas do Estado?
Temos portanto, amanhã, a possibilidade de assistir não apenas a um acto histórico do reavivar cívico de uma nação antiga, a Escócia, como também, pelo exemplo, o aparecimento de um efeito dominó, que recolocará a Europa no caminho dos seus fundamentos, refazendo de par os seus princípios. E só assim se pode entender a profunda reflexão de Jean Monnet, logo no início da construção europeia: "se fosse hoje, teria antes começado pela cultura...". repito, apenas desta forma e não numa lírica visão de aprofundamento ou inter-relacionamento cultural, é que o dito se entende.
Para um português, mesmo atento, este movimento, imparável aliás, de afirmações nacionais, tem sido de difícil compreensão (constato). “Vão criar-se novas fronteiras”, “agora que estamos em União, estas reivindicações não fazem sentido”, “é melhor juntos que separados”, “são objectivos secundários, sobretudo, em situação de crise”, etc.
O facto de temos uma cultura nacional, ainda que nada homogénea nem “unificada” (malgrado os esforços do poder, via a RTP mormente), impede-nos por vezes de perceber o querer de nações que vivem sob a pata castrante de outras. Poderíamos entender melhor se, sem 1640, hoje fôssemos uma das 5 nações da imperial Espanha e fôssemos obrigados a preterir a nossa língua pelo castelhano e a nossa maneira pela deles. Quantos de nós não estariam agora barricados na rua a exigir independência? Quantos não estariam nas prisões, em Navarra ou nas Baleares (que assim faz Madrid aos nacionalistas galegos, por exemplo)? Quantos não teríamos, às tantas! e infelizmente, posto uma bombita no posto da “Guardia Civil” mais próximo?
Ser nação é um estar incomparável a qualquer outro desiderato também legítimo dos povos, nomeadamente o de uma maior equidade social. E os sonhos “igualitários”, como no início deste texto descrevi, baqueiam e baquearão todos se não compreenderem esta qualidade social, transversal e irrenunciável. Porquê? Não porque a “abstração” da língua e da cultura por si só o motive, mas porque intrínseca e irrefragavelmente apegada à ideia de nação, está o desejo de afirmação e da prática, no quotidiano, dessas mesmas cultura e língua, ou seja o exercício da Liberdade (daí que ditadores e acólitos sejam os seres mais “aculturados” que a História regista).
E pela liberdade morre o pássaro, bem alimentado, na gaiola, sempre asseada e asséptica.
Joaquim Pinto da Silva
PS. Se o Não amanhã ganhar na Escócia ou se a Espanha continuar a “fazer de conta” à irrefutável vontade catalã de autonomia total, o caminho está traçado. Inevitavelmente!
As nações tratam o tempo por tu.
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