Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

3 de outubro de 2008

COM MAIS AMARGURA QUE IRONIA

Já desconfiávamos de tanta «notabilidade»

Artur Santos Silva, um dos «notáveis» que se declarou contra a construção dos molhes na barra do Douro, foi nomeado Comissário do Porto, Capital Europeia da Cultura 2001, por Fernando Gomes, Presidente da Câmara Municipal do Porto e defensor, ainda que na «retaguarda», daqueles mesmos molhes. O facto merece — não podia deixar de merecer! — uma palavra nossa: a primeira ilação é que não vamos ter inauguração dos molhes durante aquelas festividades. Por aí, estamos descansados! A seguir vem uma pergunta: que filosofia e programa vão ser estabelecidos para 2001? Os que se pressupunham estar por detrás dos conceitos políticos e de conservação do património que levaram os «notáveis», e Santos Silva, a oporem-se aos molhes, ou os que se divisam por detrás dos apoiantes dos molhes, entre os quais está Fernando Gomes, e que apontam para a «obra pública» vistosa e de «socorro pós-expo» às construtoras sem trabalho?
Se numa matéria considerada de tanta importância por todas as partes existiu um saliente antagonismo público, interrogamo-nos sobre o que terá levado Fernando Gomes e o Governo a acordarem a Santos Silva a sua confiança, e a este o tê-la aceitado? Conhecendo a forma de fazer política que temos, todas as dúvidas são legítimas.

Sem molhes, que venha
ao menos a protecção civil

Este jornal, que não é «notável», e que se opôs e opõe à construção dos molhes na barra do Douro até que lhe expliquem claramente a sua razão, não pode — com ironia mas também com medo — deixar de exigir a todos os que, «aqui d'El Rei!» que os molhes são essenciais e urgentes, se manifestem e actuem de forma a que as calamidades extraordinárias que adivinhavam e que não serão impedidas pelos molhes «chumbados em Bruxelas», sejam mesmo assim tomadas em consideração. Assim, do Ministro Cravinho ao deputado pelo Porto, Pedro Baptista, dos Presidentes de Junta ribeirinhos desta e da outra margem, ao da Câmara de Gaia e do Porto, exigimos que forcem e tomem as medidas necessárias, nomeadamente em termos de protecção civil, no seguimento das suas apocalípticas teses sobre a barra do Douro, as suas margens e as suas populações.
Mas — andamos aqui já há alguns anos, não é? — nada vai ser feito, estamos certos! Os pobres pescadores da Afurada, sem o «cacau» de Bruxelas, vão ser esquecidos e vão ter de continuar a sair a barra tal como ela está, e os granitos, uvas, vinhos e não sei que mais que escorriam como água por aquela barra definitivamente dominada e dócil, afinal, vão continuar a sair como dantes. Assim sendo, é necessário subsidiar os produtores-exportadores.
E os turistas, que entrariam aos magotes, apinhados nos convés dos navios que serenamente penetrariam na domada barra? Necessário será financiar os hotéis, restaurantes e o turismo de habitação pelas perdas que terão.

Molhes... ao metro!

Deixem-me rir! Aos molhes acontecerá ainda pior que ao famosíssimo metro de superfície.
É que este, depois de «alimentar» três campanhas eleitorais, é capaz ainda de, no fundamental, «estar no tinteiro» na partida para uma quarta votação, pese embora a necessidade evidente de uma mexida nos transportes da cidade.
Quanto aos molhes, por desnecessários na essência, acabarão pior: olvidados com gosto por aqueles que lhe não viram a razão e preteridos por outras «batalhas essenciais» pelos fazedores de política--espectáculo, os caça-votos e alguns bem intencionados aldrabados pela tecnocracia e por aqueles.

JULHO’98 — Nº41

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