28 de março de 2017
A Minha Foz e Eu, de Inácio Sousa - Apresentação
No passado dia 19 de Março, à tarde, no Café Moreira, apresentou-se o livro, "A Minha Foz ... e Eu", de Inácio Sousa.
Foi uma sessão inesquecível quer pelas (mais ou menos) 200 pessoas que ali estiveram (muitas não puderam entrar), quer, e sobretudo, pela emoção ressentida por todos, pois falava-se da Foz da infância e juventude de muitos de nós e reencontravam-se amigos que de há muito não se viam. Presidiu o Presidente da União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogile, Dr. Nuno Ortigão e apresentou o livro o Dr. Joaquim Pinto da Silva (Quim-Zé para os da Foz), Presidente da direcção de O Progresso da Foz.
Segue aqui o seu discurso:
Apresentação da obra "A Minha Foz… e Eu", de no Inácio Sousa
Café Moreira, Foz do Douro, 18 de Março de 2017
Senhor Presidente da União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, Dr. Nuno Ortigão,
Senhor Óscar Melo, proprietário do Café Moreira,
Dr. José Valle de Figueiredo, insigne figura das letras pátrias, poeta, ensaísta, director de um dos projectos mais valiosos desta zona, a Foz Literária, e eminente membro de O Progresso da Foz
Saúdo desde já outros ilustres membros de O Progresso da Foz
José Fernando de Magalhães, companheiro permanente das nossas aventuras,
Américo Basílio da Costa, discreto e eficiente acompanhante permanente,
Maria João Alvarez, autora do diaporama
Raul Simões Pinto
Francisco José
Jorge Nicolau
Natália Lamela
Luísa Marques
Paulo Soares
Patrícia Pereira Alves
E os do passado:
Vítor Simões
Agostinho Pereira
António Cardoso
João Carvalho (saudoso)
Caros amigos,
Este coração da nossa terra, a Senhora da Luz, que alguns enganosamente intitulam apenas de comercial, vive é claro do negócio, do comércio, do compra e vende tão necessário às nossas vidas. Mas esta artéria é muito mais do que isso.
Não é apenas o nome de uma rua. Quando dizemos vamos à Senhora da Luz, entendemos um conjunto de ruas, travessas e comércios diferenciados que nesta via confluem.
Por aqui passamos muita da nossa infância, adolescência e maturidade.
Por aqui regatearam as nossas Mães e os nossos Pais preços, compraram o necessário e se passearam, saudando amigos e passantes, detendo-se nas esquinas em conversas sobre tudo e nada, apanhando eléctricos (ai que falta!) para a Baixa ou Matosinhos, em momentos repetidos que, lembrados por nós hoje, recordamos com saudada … essa coisa que mistura choro e alegria e nos consola e desconsola à vez.
Quero, em nome de O Progresso da Foz e no meu, fazer uma saudação sentida e forte a todo o comércio da Senhora da Luz e proximidades.
Todos ganhamos com a sua presença passada e actual. Da Ângela, ao Morgado Sobrinho, às Farmácias, da Távi, à Marlu, ao Teddy, à Fernandes, ao Rocha, à Fontluz, ao Sousa, ao Morgado, à Jomar e por aí adiante, todos, mas todos, merecem o nosso apreço. Servem-nos no que precisamos, estimulam a rua e as nossas vidas, dão cor e alma a uma artéria que é parte de nós. A Senhora da Luz somos nós, a Rua É Nossa.
Uma outra saudação vai para esta casa em que agora estamos. Do saudoso fundador António Moreira, até à família Melo, o Café Moreira foi cenário importante para muitos de nós.
Lembro com saudade a simpatia do Domingos Melo, desaparecido cedo, demasiado cedo, e que com certeza gostaria de ver esta casa cheia e por esta causa que aqui nos traz. No filho, Marco Melo, saudamos a memória do Pai.
Vínhamos e vimos aqui para o cafezinho? Claro!
Mas para muito mais que isso. Aqui conversamos, aqui lemos, aqui namoramos, aqui conspiramos. E entre o cimbalino e a conversa, crescemos e convivemos, esse verbo tão necessário hoje como ontem… mais hoje que ontem, apetece-me dizer.
Ao amigo e Senhor Óscar Melo, os nossos parabéns e o nosso agradecimento por nos abrir as portas todos os dias e, em particular, hoje, para uma sessão especial e inovadora que pensamos no futuro repetir.
Saúdo de passagem o Jorge Pinto, o Alexandre, o Agostinho e todo o restante pessoal do Café, pacientes e simpáticos amigos que nos servem.
Estou certo que todos os frequentadores desta casa, os idos e os presentes, estão contentes pela injecção de acção e memória que esta apresentação traz.
Recordo de imediato um ilustre visitante: o António Rebordão Navarro e, soletramos as suas palavras aquando de umas festas de S. Bartolomeu, pela voz do Álvaro Cardoso
(Leitura de um texto de A. R. Navarro, por Álvaro Cardoso)
e mais alguns perfis intelectuais - foram tantos! -, o Vasco Graça Moura, o Domingos Pinho e muitos outros conhecidos por isto ou aquilo, a Rosa Mota, Fernando Gomes, Miguel Cadilhe, o Zé Vilela, Artur Santos Silva, Carlos Lança, Belmiro de Azevedo, Pinto da Costa, Torres Couto, etc. (aliás referenciados muitos aqui no artigo de Raul Simões Pinto e Cláudia Sanhudo) que aqui ganharam com certeza alento para a vida e para obras futuras.
Hoje, o que nos junta é mais do que uma apresentação do livro do Inácio. Hoje comemoramos a nossa vida nesta terra. Nós, os daqui e os que vieram depois (foi e será sempre assim), e os que passam – que seria desta terra sem os que passam? Os de fim-de-semana, os que vinham a banhos, os que instalam aqui seus negócios.
E falo desta terra e falo, portanto, do livro do Inácio. São a mesma coisa.
O livro é uma recordação daqueles que cita e dos que não cita, porque o Inácio não podia falar de todos… e eu também não posso. Todos são muitos, meus caros!, e nem eu quero aqui ao lembrar uns se diga que esqueço outros.
Nuns… estão todos.
Porque, por exemplo, se falar de Domingos Sousa, irmão do nosso autor, é impossível que, com sentimento, não recorde muitos outros: o Nelinho, o Quim Viana, o António Reis, o Paulino.
Se falar do mar é recordarmos todos os banheiros magníficos destas nossas praias, é falar do Rui Picarote Amaro, cronista da Barra da Morte, e de outros Picarotes, o pintor da Foz, que semeou a Foz em telas, e mais um, o Joaquim, o relançador das festas de S. Bartolomeu.
Falar do Fernando Lereno é como falar de todos os Fragatas.
Se falo do Penafort Campos, como não recordar a Cooperativa da Foz, o José Augusto de Castro, um herói, o Pires Baptista, o meu Pai… o Joaquim Valonga que tantas dores de cabeça nos deu… algumas vezes com razão?
Se falo do Monteiro, como não lembrar o Fernandes, o António Morgado, o Lino Santos?
E dos vivos – felizmente – as centenas de pessoas do comércio, destas casas que cruzamos em passeios cheios de gente. Dos condiscípulos das escolas (da Feira, da 85 – a Reis, como dizíamos, da D. Alzira, da D. Cândida, da Violetinha), das associações da Foz, a Academia de Danças e Cantares, O Paraíso da Foz, O Orfeão, a Escola Dramática, a Banda Marcial, a Associação da Pasteleira, o Luís Marinho, os Pauliteiros de Nevogilde, o F. C. da Foz, o Tennis da Foz, o Centro Social, a JOC, e… espero não me ter esquecido de nenhuma (Há ainda as desaparecidas, o União da Foz, os Merengues, e outros). Tanta história para fazer!
(Leitura de um texto do livro, por Carlos César)
“Esta rua era a “passerelle” da Foz. Era aqui que eram feitas
grande parte das compras do dia-a-dia. Era aqui que a maioria
das pessoas se encontrava para um simples, mas sincero “bom
dia”, para uma troca de palavras mais alongada, para falar sobre
o tempo, sobre a vida, uma boa ou má notícia, sobre elas próprias
ou sobre alguém, amigo ou conhecido.
Podemos afirmar sem exagero e até com certo orgulho que,
naquele tempo, nesta parte da nossa freguesia, toda a gente se
conhecia. A vivência era intensa e havia uma certa cumplicidade,
mesmo até entre pessoas de estratos sociais e níveis etários diferentes.
Havia respeito, mas não submissão.”
Diz-nos o Inácio neste trecho, lido pelo Carlos César, aquilo que todos nós sentimos da infância até agora.
Jogar futebol na rua e descalços, mas ir aos arraiais do Colégio Inglês; ir ao estádio da Ervilha apaparicar o árbitro (e, pior ainda a Senhora sua Mãe) e ir às matinées do Au Rendez-Vous d’Elite; respeitosamente estar na Missa do Galo e rasgar vestidos de papel no S. Bartolomeu; espreitar as envergonhadas minhotas e durienses na praia e pegar na Cruz no Compasso; comprar tules no Morgado e línguas-da-sogra no Caneiro; e por aí adiante.
Podíamos não gostar do perfume da senhoreca passante ou do sovaco do trolha – que bons tempos tive! – mas a convivência era a lei, o conhecimento mútuo o alicerce.
Outros assuntos, tratavam-se noutros palcos.
A Rua era Nossa, de todos.
É também isto o A Minha Foz e Eu.
O quadro conhecemo-lo de cor. Recordámo-lo como se fosse hoje e lamentámo-lo como sendo de ontem. São os nossos mortos que desfilam perante nós. A emoção é grande, vai pelo menos do Castelo ao Gilreu, e aqui o poeta tem toda a razão: “ó mar salgado, quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal”. Mas apetece-me (e Fernando Pessoa que me perdoe) dizer…
“ó mar salgado, quanto da tua voz, são lágrimas da nossa Foz”.
Este livro chora. Connosco!
E, com a voz do Óscar Oliveira, lembramos o tom do nosso, mesmo nosso, Mestre, o grande Raul Brandão
(Leitura de um texto de Raul Brandão, por Óscar Oliveira)
É que o autor deste livro traz-nos a Foz integral, como o saudoso pão da Modelar.
Não estou aqui para substituir a vossa leitura (e a vossa compra, pois sem ela, a vossa compra, não haverá mais livros sobre a Foz e mais momentos como este) e o prazer que ides ter ao folheá-lo.
Este livro é essencialmente de pessoas (e por isso faz parte da colecção Pessoas). O autor procede, fruto de memória e de inquérito trabalhoso, a um inventário minucioso dos habitantes deste grande quarteirão (da Senhora da Luz, de S. Bartolomeu, da Praia e adjacentes), porta a porta, ilha a ilha, palacete a palacete.
“Olha este! Já nem me lembrava dele!”, dissemos nós na primeira vista d’olhos. E dessa até à última, foi sempre a lembrança e o coração “a bombar”, como se diz hoje.
Saudosistas? Claro, como o grande Pascoaes que entendia a saudade como motor para novos e maiores feitos e não como fado para carpir.
Desses tempos, diz-nos o Inácio, pela voz da Beatriz:
(Leitura de um texto do livro, por Beatriz Pinto da Silva)
“Eram dias felizes, de um são convívio e constante entre todos.
Não tínhamos telemóveis, mas tínhamos contacto pessoal diário.
Não telefonávamos. Íamos a casa uns dos outros.
Os nossos pais, ou mães, não nos levavam à escola. Passávamos
pela casa de cada um e íamos em grupo de três ou quatro.
Não dominávamos, porque ainda não existiam, os comandos
da televisão, do MP3 ou os ratos dos computadores, mas tínhamos
criatividade, porque éramos nós quem fazia grande parte dos brinquedos
que utilizávamos.
Não tínhamos os jogos de computador, que “obrigam” as crianças
de hoje a ficarem sós durante horas em casa, mas fazíamos jogos
em que quase todos participavam e que nos divertiam imenso.
Não éramos só nós, individualmente, mas um grande grupo.”
Este sentido colectivo sempre realçado na obra leva também o necessário condimento do elogio aos que se destacam, aos que cumprem mais que o seu dever e se entregam a nobres causas solidárias ou servem a comunidade com os seus haveres.
Fala-nos, por exemplo, do patriarca Biltes, herói salvador de muitas vidas junto do farolim aos Pilotos, de Eduardo Honório de Lima, dono do Teatro de S. João.
E por falar em teatro, Inácio Sousa desvenda nesta obra o mistério do Teatro Vasco da Gama. Sim, esse que deu o nome à rua, e cujo proprietário tinha dado também nome a outra rua, a do Gama, actual Rua do Diu.
Mas há mais. O profundo respeito pelas pessoas e instituições não impede um queixume, o sentido crítico …
(Leitura de um texto do livro, por Emília Parente)
« O tempo passa e as coisas transformam-se por vezes para
pior, e na década de 60 do século passado, construíram aquela
coisa chamada de Rua Coronel Raul Peres, cujas obras se prolongaram
por quatro ou cinco anos. E podemos dizer com amargura,
com tristeza profunda, com um sentimento de enorme frustração,
que uma parte muito pitoresca, muito querida da nossa Foz, ficou
ali sepultada para sempre debaixo daquela imensa massa de betão.
Ficaram entaipadas aquelas casas com aquele enorme bloco
de cimento tornando-as sombrias, e cinzenta a paisagem defronte
às suas portas e às suas janelas.
Desapareceu o muro sobranceiro à praia onde nos sentávamos
para conversar, para aguardar a nossa vez de entrar num jogo
de futebol ou outro jogo qualquer. Desapareceu a Rua da Praia
da qual olhávamos as praias, a areia dourada, o mar sereno ou
revolto com os seus vagalhões enormes desfazendo-se em espuma
contra a penedia. Hoje está transformada numa simples viela, num
caminho de serventia.”
E mais à frente o cómico das situações pelas quais todos passámos… mais ou menos:
(Leitura de um texto do livro, por Agostinho Pereira)
“Um dia, onde mudavam a agulha defronte ao Castelo, saltei
para o estribo da porta de trás e lá ia todo contente até à Escola.
O eléctrico começou a ganhar velocidade e o cobrador saltou da
porta da frente e correu na minha direcção. Aflito também saltei,
mas de tal modo que dei uma cambalhota e bati com a nuca no
chão. Fiquei de tal forma desorientado que ao levantar-me em vez
de fugir para o lado contrário, corri foi em direcção ao cobrador.
Agarrou-me, deu-me um raspanete e queria levar-me preso. Chorei,
disse que não voltava a fazer, e ele lá me deixou ir embora.
Mas menti-lhe, porque no dia seguinte voltei às “beguinhas”. Era
tão bom ir de carro eléctrico até à Escola.”
E relata-nos ainda o autor, em passagens simples mas impressivas, as experiências profissionais. Sempre, mas sempre, grato a quem o ajudou e ensinou…
(Leitura de um texto do livro, por Zé Marques)
“Fiz o exame da 4.ª classe em 16 (?) de Junho de 1956 com
a média de 14 valores. Como “prémio”, tive três meses de férias.
E como “prémio” ainda maior, comecei a trabalhar (necessidade a
quanto obrigas) na Ourivesaria Sousa, em 9 de Setembro de 1956,
com a “bonita” idade de 10 anos, quando ainda devia andar a brincar
com brinquedos que não tinha.
Devo dizer-lhes que tenho muito orgulho de ter trabalhado
nesta casa perto de dezasseis anos, e creiam que apesar de ser
ainda um garoto quando aqui entrei, e dos ralhetes e tabefes que
levei, foi dos melhores períodos da minha vida, por aquilo e da forma
que aprendi, pela formação, educação e noção de valores que
me foram transmitidos e que ajudaram a formar o meu carácter.
Permitam-me agradecer ao Sr. Eduardo Sousa, aos filhos
António e Licínio (principalmente), e aos meus oficiais, José Coimbra
e Rochinha (uma referência)”
Caminhamos para o fim. As palavras de Agustina Bessa-Luís, pela voz de Álvaro Cardoso
(Leitura de um texto de Agustina Bessa-Luís, por Álvaro Cardoso)
E de novos caminhos estamos precisando.
Esta nossa Foz precisa de mais histórias, de mais heróis, de mais livros, de mais Inácios. Precisa para além disso, de vós todos.
E usando versos de José Valle de Figueiredo
“De que demanda se parte
ao iniciar-se um novo descobrimento?”
Nem títulos, nem haveres, nem pareceres, a demanda é só uma, aquilo que se encontra ao ler este livro do nosso Inácio Sousa: a felicidade, que é o que vos desejo a todos.
Agradeço a vossa paciência e atenção.
Joaquim Pinto da Silva
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