Ser penedo é ser por fora o que se é por dentro (Teixeira de Pascoaes)
... é como ser transparente.

10 de setembro de 2008

MEDALHA JARDIM DO PASSEIO ALEGRE

LIBRETO DA MEDALHA COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DO JARDIM DO PASSEIO ALEGRE, DE IRENE VILAR
1988

O PROGRESSO DA FOZ (1)

Numa cidade que, infelizmente, persiste em destruir as suas zonas verdes, comemorar os 100 anos de um jardim reveste-se de múltiplo significado.
O Passeio Alegre e a zona envolvente, onde muito há a remodelar e a introduzir, têm resistido tenazmente ao assalto desenfreado de mesquinhos interesses económicos — bem mais perigosos do que o do simples passante que pisa a relva — e daí que festejar o seu Centenário seja simultaneamente festa e alerta.
Ao «eternizá-lo» em medalha, Irene Vilar entra publicamente na sua defesa e melhoramento.
Nós limitamo-nos a subscrever.

(1) O PROGRESSO DA FOZ orgulha-se de ser esta a sua 4ª iniciativa no âmbito das comemorações do Centenário do Passeio Alegre. As três anteriores foram: edição do livro de S. Oliveira Maia «Onde o Rio Acaba e a Foz do Douro Começa», concerto na Igreja Matriz da Foz do Douro pelo Grupo Vocal Arsis de Lisboa, e álbum de seis desenhos inéditos intitulado «O Passeio Alegre visto por Pedro Barbosa».

NÓTULA HISTÓRICA

Por carta régia de 15 de Fevereiro de 1790, D. Maria I faz avançar o plano de Reynaldo Oudinot relativo aos trabalhos a executar na barra do Douro, que previa, entre outros, a construção de um dique-cais entre as perigosas rochas das Felgueiras e a capela de S. Miguel-o-Anjo.
Esta obra, cujos alicerces implantados no rio já estavam executados em inícios de 1793, é considerada como essencialmente terminada dez anos depois pelo Eng.º Nogueira Soares, responsável geral pelos trabalhos na barra.
O dique-cais e o ajardinamento da zona interior, entre o dique e as construções no sopé da colina da Igreja Matriz, levaram ao fechamento de uma extensa área, referenciada por Teodoro de Sousa Maldonado, na sua conhecida gravura publicada em 1789 (1), como «Praya» e que Alberto Pimentel retrata do seguinte modo:
«No descampado... os pescadores consertavam as redes. Aquele local pertencia-lhes por tradição. Há anos os pescadores receberam mandado de despejo, e a Câmara Municipal do Porto mandou ajardinar o terreno, preparando assim um passeio que, à força de árvores, de flores e de relva, chegou a ser alegre» (2).
Não foi, portanto, pacífico, nem muito alegre, o nascimento deste jardim. Os seus utentes e «proprietários» consuetudinários — os pescadores — viram-se assim privados não só do seu «atelier» de conserto de redes como também e principalmente, de uma reentrância do rio nessa praia-descampado, a que chamavam a poça, e onde acobertavam os seus barcos no descanso e para reparações.
Mas o urbanismo e o património construído têm destas coisas: o que num certo momento é declaradamente um atentado, pelo menos, aos direitos e usos populares e, talvez, à paisagem, passa, depois de executado a ser, ele próprio, um património a salvaguardar. (3)
Emílio David, que já tinha deixado à cidade a sua marca de paisagista nos jardins do Palácio de Cristal, é quem elabora o plano de ajardinamento do Passeio Alegre, terminado em 1888. Na altura já o Chalé Suíço ou do Carneiro funcionava, tornando-se, pouco a pouco, em local de paragem obrigatória a quem demandava a Foz e, sobretudo, como centro de encontro literário e artístico: Ramalho Ortigão, Alberto Pimentel, Arnaldo Gama, Camilo Castelo Branco foram alguns dos que por ali passaram nesta época.
Os obeliscos do lado sul, oriundos da Prelada, o fontanário do lado norte, provindo do convento e S. Francisco, a fonte luminosa, ao gosto do início do século, e alguns outros acrescentos, nomeadamente os «riviéricos» sanitários (no dizer de Rebordão Navarro), tudo foram marcas e marcos de embelezamento e enriquecimento de um jardim que merece de nós todos um tratamento e uma fruição contínua, tal como entenderam os moradores da zona ao proporem e conseguirem, em 1978, a salvaguarda jurídica para o conjunto urbanístico que o rodeia.

(1) Editada por nós em painel de azulejos em 1987.
(2) «O Porto há 30 anos»
(3) Não é o caso, por exemplo, da Rua Coronel Raul Peres (estrada nova) que destruiu a airosa Rua da Praia, a bela e selvagem escarpa que ia dos fins da Rua da Senhora da Luz ao início da Avenida do Brasil e amputou gravemente as praias da Senhora da Luz, Ingleses e Cova da Raposa. Este foi e é um atentado que acreditamos seja ainda remediável, até porque a «estrada» continua a ser, visivelmente, um acrescento inestético e desajustado ao conjunto urbano em que se insere.

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